quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

O menino sem nome e a garota sem pernas


Naquela cidade cada um sonhava em segredo. O menino sem nome conheceu a garota sem pernas. Ela não tinha pernas, mas mesmo assim não precisava de ninguém para ir embora. E eles tentaram. A garota sem pernas mostrou a ele o mundo como conhecia. Ele, que não tinha nome, embarcou… Como quem nunca mais quer voltar. Por um tempo, olharam para a mesma direção. Ela nunca lhe deu um nome… Ele nunca lhe trouxe as pernas. O que pra um era sina para outro era mistério. Eles poderiam andar juntos sobre o mesmo trilho, mas nunca seriam esmagados pelo mesmo trem.

..., "Os famosos e os duendes da morte" (2009).

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Dormir de conchinha


- Eu sei que era ele. Eu nunca amarei outra pessoa tanto assim. Posso lidar com isso. Sei que é comum encontrar sua alma gêmea mais tarde, na vida. Para mim, foi péssimo. Aconteceu agora, nos meus 25 anos. Não tem a ver com sexo. Não me importo com isso. Isso não é o principal. O importante é acordar com alguém, dormir de conchinha. Isso é o que importa, dormir de conchinha. Sabendo que, se surgir uma pessoa ruim, existe alguém ali. Isso é uma metáfora. Os vilões nunca aparecem. Você acorda com o vento... com aquele que te ama respirando sobre seu ombro. É isso... a conchinha.
- Sim.
- Devo parecer... Já conheceu uma depressiva como eu ou sou a primeira?
- Meu Deus! Sou cabeleireira há 20 anos. O que mais atendo são solteiras à procura de conchinhas.

Marie & a Cabelereira, "Les Amours Imaginaires", 2010.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Baunilha ou Chocolate?


- Então, você vai a um escritório, depois vai à televisão e fala sobre cigarros. Depois voa para Los Angeles para falar com um cara que trabalha com estrelas de cinema. O que é isso?
- É o meu trabalho, sou um lobista.
- Eu sei, mas estudou para fazer isso?
- Não. Não, fui andando e aprendendo.
- Então qualquer um pode fazer isso?
- Não, isto requer... uma flexibilidade moral que está além da maioria das pessoas.
- Eu tenho flexibilidade moral?
- Bem, digamos que se torne um advogado, certo?
- E é chamado para defender um assassino. Pior, um assassino de crianças. Agora, a lei afirma que todos têm direito a um julgamento justo. Você o defenderia?
- Não sei. Acho que todos merecem uma defesa justa.
- Pois bem, as grandes multinacionais também.
- E o que acontece quando está errado?
- Bem, Joey, eu nunca erro.
- Mas não pode ter sempre razão.
- Se o seu trabalho é estar certo, nunca está errado.
- Mas e se estiver mesmo errado?
- Certo, digamos que esteja defendendo chocolate e eu baunilha. E agora se eu te dissesse "baunilha é o melhor sabor de sorvete" você diria...?
- "Não, é chocolate."
- Exatamente.
- Mas não ganha com esse argumento.
- Portanto, eu te pergunto: Acha que chocolate tem um sabor insuperável, não é?
- É o melhor sorvete. Eu não pediria outro.
- Então com você é só chocolate, certo?
- Sim, chocolate é tudo o que preciso.
- Bom, eu preciso mais do que apenas chocolate.
- E mais do que apenas baunilha.
- Eu acredito que precisamos de liberdade de escolha em relação aos sorvetes e isso, Joey Naylor, isso é o significado de liberdade.
- Mas não estamos falando disso.
- Mas eu sim estou falando disso.
- Mas não provou que baunilha era melhor.
- Não precisei.
- Provei que você estava enganado, e se está enganado, eu estou certo.
- Mesmo assim não me convenceu.
- Porque você não me interessa.
- Eles é que me interessam.

Joey & Nick, "Obrigado por Fumar" (2005).

sábado, 18 de dezembro de 2010

Encontre-me em Montauk



- É nossa casa, só por essa noite. Somos David e Ruth Laskin. Qual você quer ser?
- Não sei.
- Prefiro ser Ruth, mas sou flexível.
- O que você...?
- álcool.
- Minha nossa.
- Você gosta de vinho?
- Eu não sei...
- Você escolhe o vinho, vou procurar o quarto e vestir algo mais Ruth. Não estou nada Ruth agora.
- Eu tenho mesmo que ir. Tenho que alcançar minha carona.
- Então vá.
- Eu fui. Achei que talvez fosse maluca. Mas você era interessante.
- Queria que tivesse ficado.
- Eu também queria ter ficado. Agora eu queria ter ficado, queria ter feito um monte de coisas. Eu queria ter... Eu queria ter ficado. Queria sim.
- Eu desci e você tinha ido.
- Eu saí. Saí pela porta.
- Por quê?
- Não sei. Me senti um menino apavorado. Era mais forte que eu.
- Estava com medo?
- Estava. Pensei que soubesse que eu era assim. Corri de volta pra fogueira, tentando superar minha humilhação, eu acho.
- Foi alguma coisa que eu disse?
- Foi.
- Você disse: "Então vá", com tanto desdém, sabe?
- Me desculpe.
- Tudo bem.
- E se você ficasse dessa vez?
- Eu fui embora pela porta. Não sobrou nenhuma lembrança.
- Volte e faça uma despedida, pelo menos. Vamos fingir que tivemos uma. Tchau, Joel.
- Eu te amo.
- Encontre-me em Montauk.

Clementine & Joel, "Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças" (2004).