segunda-feira, 13 de junho de 2011

Um caso clássico de paixonite


- Você precisa ir. Ele vai chegar a qualquer momento... Trabalha aqui perto. É melhor ele vir me buscar. Isso acontece de vez em quando.
- Tenho que lhe dizer uma coisa... E tem que ser agora. Amo você. Estou apaixonado por você. O mundo parece menos terrível porque você existe. Sinto que quero ficar com você pelo resto da minha vida. E isso tudo, as palpitações, os nervos... A dor, a felicidade e o medo. Eu quero... Quero tocar você o tempo todo... Quero cuidar de você e de suas meninas... E até arrumar um emprego decente para o seu marido... E lhe comprar uma casa que não tenha rodas e...
- Cuidado. Parece um caso clássico de paixonite.
- Eu estou apaixonado. Classicamente apaixonado! O clássico marido que vai chegar a qualquer momento... E a clássica depressão... A cada vez que você se vai com ele... E o choro... E as lágrimas e tudo mais... Vou indo. Não quero ver você ir embora com outro cara. Alguém que você não conhece. Por isso, vou ficar olhando. A menos, claro, que seja seu marido.

Ann & Lee, "Minha Vida Sem Mim" (2003).

sábado, 11 de junho de 2011

Monstros não existem


- Como vai?
- Tudo bem.
- Não se assustou, não é? Não há monstros no armário, há? Detesto monstros.
- Monstros não existem.
- Então, ótimo.
- Ouvi um barulho.
- De caminhão?
- De bala.
- Estranho. Porque nós saímos daquele bairro violento. E não há muitas armas por aqui.
- As balas vão longe?
- Bem longe. Geralmente, penetram em algum lugar e param.
- E se não pararem?
- Está pensando na bala que passou pela sua janela? Quer que nos mudemos de novo?
- Gosto daqui.
- Eu também. Mas se aquela bala descobrir onde estamos... Espere aí.
- O que foi?
- Que idiota! Como pude esquecer?
- O quê?
- Esqueça. Você não vai acreditar.
- Conte.
- Está bem. Quando eu tinha 5 anos... uma fada veio ao meu quarto numa noite.
- Até parece!
- Falei que não ia acreditar. Vá dormir.
- Não, conte.
- A fada entrou no meu quarto... e eu disse: "Até parece que você é uma fada". E fiquei falando. Ela voou pelo quarto, derrubando meus pôsteres e outras coisas.
- Ela voou?
- Tinha asas curtas e grossas. Pareciam coladas. Não acreditei que era uma fada. Então, ela disse: "Vou provar". Ela enfiou a mão na mochila e puxou uma capa invisível. Amarrou ao redor do meu pescoço e disse que era impenetrável. Sabe o que significa impenetrável? Que nada pode passar por ela. Nenhuma bala. Nada. Ela disse que, se eu a vestisse, nada poderia me fazer mal. Então, eu vesti. E nunca fui baleado nem esfaqueado na vida. Nada disso. Parece estranho? Só que ela me disse
para dar à minha filha... quando fizesse 5 anos, e esqueci.
- Posso tocar nela?
- Claro, toque.
- Não estou sentindo.
- É muito legal, não?
- Se quiser, amarro em volta dos seus ombros. Ela me ensinou... A menos que você ache bobagem.
- Não precisa dela?
- Não, não preciso mais.
- E então, você quer? Ok, agora vou tirar você daqui. Levante a cabeça. Está apertado demais? Sente algo? Ótimo. É como tem de ser.
- Tiro para tomar banho?
- Não, fique com ela o tempo todo. Até ter uma filha e ela fazer 5 anos. Aí, você dá para ela. Combinado?
- Combinado.
- Boa noite, meu bem.
- Boa noite.

Daniel & Lara, "Crash - No Limite" (2004).

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Enjoy the silence


- No que está pensando, David?
- Nada... Nós ficamos agindo como adolescentes por toda nossa vida. Só isso.
- Quem, eu e você?
- Sim, você e eu. Passamos nossa vida... a procura de que? A única vez que engravidou, teve um aborto, porquê... Não era o momento. Isso foi há 15 anos atrás. E o momento certo jamais veio.
- Nem a pessoa certa.
- Lembra-se do tampão que encontrou no meu banheiro? Aquilo pertencia a uma jovem por quem me apaixonei. Que tipo de chance nós temos? Ela e eu? Nenhuma. Com sorte, alguns anos. Mas, no final, ele teria percebido... literalmente, um homem 30 anos mais velho que ela. Nada: era o que gostaria que tivesse acontecido entre mim e ela. Foi um erro.
- Estou ficando velha, David. Mulheres olham para mim, e me vêem mudar a cada dia. Elas estão na nossa idade... muitas mulheres, que estão nisso, namorando... através da internet. Nós garantimos um certo número de encontros por ano. E você paga pelo silêncio e... e... é a mesma conversa, toda vez. Não quero ser como elas.
- É possível, que seja realmente a primeira vez que conversamos um com o outro.
- Bem... Depois de 20 anos dormindo juntos, não é mau. Conheço muita gente... que nunca foi tão longe em 40 anos de casamento.
- Que horas é seu vôo?
- Às 9:30.
- Eu levo você.
- Não. Por que começar agora?

Carolyn & David, "Fatal" (2008)

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Não me faça rir, dói muito


- Vou ficar quieto. Nao te incomodarei com minhas baboseiras hoje.
- Não? Que pena, agora que eu começava a me divertir. imagino que voce tenha uns 15 anos.
- tenho exatamente 3 vezes 15. E você?
- ...
- Sabe que já sonhei algumas vezes com você? Não se preocupe, nada erótico.
- Que pena.
- Não me faça rir, dói muito. Com o que você sonha, Cora?
- ...
- Sabe que no Japão... Inventaram uma espécie de... Travesseiro cibernético, usado para programar seus sonhos? Você diz à máquina com o que quer sonhar. Por exemplo: Eu quero sonhar sobre... Sean Connery vestido de escocês, e quero estar no pólo norte, pra me esconder na saia dele... Ou algo assim... E funciona. Esta noite... você sonharia com o pólo norte e sean Connery com uma saia escocesa. Com o que você iria querer sonhar, Cora? - ...
- Comigo... sem saia escocesa? Sem nada. Numa ilha tropical. Numa rede enorme. Com espaço para nós dois... Está me ouvindo?
- Sim.
- Nossos corpos abraçados, muito perto um do outro. Nosso suor se misturando. Sem que nada importe. Somente você e eu, Cora. Você e eu... Está olhando pra mim, Cora?
- Não.
- Tem certeza? Acho que estava. Já está mentindo pra mim. Está começando a gostar um pouco de mim.

Josef & Hanna, "A Vida Secreta das Palavras" (2005).

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Sempre gostei de garotas de uniforme


- Olá. Então é isso o que faz para não pensar? Parece divertido...
- Sim. Muito divertido.
- Eu vim para...
- Se veio para a degustação de sushi, começa mais tarde.
- Não... Depois de três anos aqui, ainda não consegui me acostumar com sushi no café da manhã...
- Nem a fazer ruído comendo ramen.
- Nem a fazer ruído comendo ramen.
- Por que veio aqui?
- Não quer se trocar?
- Não gosta do meu uniforme?
- Sim. Sempre gostei de garotas de uniforme. Enfermeiras, policiais... Funcionárias do mercado de peixe...
- Você veio me dizer adeus?
- Não. Bem... Sim. Eu vim me despedir e te agradecer.
- Não tem que me agradecer por nada.
- Sim, tenho que te agradecer. Sem você, eu... Não sei o que teria feito.
- Não tem que me agradecer. Fomos algumas vezes a um motel, me fez provar vinhos interessantes, tomamos ramen, trepamos porque sentia saudade de sua namorada. Isso é tudo.
- De qualquer forma, eu teria gostado... Não sei... de te conhecer em outro momento da minha vida. Teria sido ótimo. Eu gosto de você e percebo que não sei nada a seu respeito.
- É melhor assim. Se me conhecesse, não iria gostar de mim.
- Não acho isso... Não acho isso... Não acho isso.
- Diga meu nome.
- Ryu.
- Diga mais vezes.
- Ryu... Ryu... Ryu...

David & Ryu, "Mapa dos sons de Tóquio" (2009).