segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Que velho desagradável eu me tornei


- Eu me recordo de absolutamente tudo, jovem. É a minha maldição. É uma das maiores maldições infligidas ao homem: a memória. Eu fui seu maior amigo, e comigo ele se comportava como um porco. Não que Charlie fosse grosseiro. Mas ele fazia grosserias. Talvez não tenha sido seu amigo. Mas, se não fui, ninguém foi. TaIvez eu tenha sido a escada dele.
- O senhor ia falar sobre Rosebud.
- Você tem um bom charuto? Tem um médico jovem aqui que acha que vou parar de fumar.
- Não tenho, sinto muito.
- Eu mudei de assunto. Que velho desagradável eu me tornei! Você é repórter e quer saber minha opinião sobre Charlie Kane. Bem, creio que ele tinha alguma grandeza interior... mas ele a guardou para si. Ele nunca se entregava, nunca dava coisa alguma... apenas te deixava uma gorjeta. EIe tinha uma mente generosa. Nunca vi ninguém com tantas opiniões! Mas nunca acreditou em nada, exceto em Charlie Kane. Nunca teve uma convicção na vida, exceto Charlie Kane. Acho que morreu sem nenhuma. Deve ter sido desagradável. Claro, nós batemos as botas sem saber o que é a morte, mas sabemos o que estamos deixando, acreditamos em algo. Você não tem mesmo um charuto?
- Desculpe, Sr. Leland.
- Tudo bem.

Leland & Thompson, "Cidadão Kane" (1941).

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